Nos últimos anos, o mercado de apostas online no Brasil tem crescido de maneira alarmante, especialmente entre o público jovem. De acordo com o Google Trends, o termo “apostas online” registrou um aumento de mais de 493% nas buscas nos últimos anos, evidenciando a popularidade crescente dessa prática. Essa ascensão é acompanhada por preocupações significativas sobre os efeitos nocivos das apostas, principalmente entre crianças e adolescentes. A facilidade de acesso, aliada à promoção dessas atividades por influenciadores digitais mirins e à transformação de jogos populares em “portais” para o mundo das apostas, agrava ainda mais o cenário.
1. A Emergência do Fenômeno das Apostas Online Entre os Jovens
O fenômeno das apostas online não é novidade, mas o que preocupa é a crescente popularidade dessas atividades entre crianças e adolescentes. Dados recentes do Datafolha revelam que cerca de 40% dos usuários de plataformas de apostas esportivas no Brasil têm entre 16 e 24 anos. Além disso, entre os jovens de 16 a 24 anos, 30% já realizaram algum tipo de aposta. Essa estatística alarmante evidencia um problema de saúde pública emergente, que atinge uma faixa etária especialmente vulnerável.
1.1 Apostando sob Disfarce: Quando os Jogos se Vestem de Entretenimento Infantil
Outra tática alarmante utilizada por desenvolvedores de jogos de aposta é “disfarçar” esses jogos de formas de entretenimento inofensivas, atraentes para o público infantil. Muitos desses jogos de apostas agora imitam ou se “vestem” como jogos populares e amigáveis, que já são amplamente conhecidos e apreciados pelo público infantil, como o famoso Fruit Ninja. Essa prática é particularmente preocupante porque tira proveito do reconhecimento e da familiaridade das crianças com esses jogos para introduzi-las, muitas vezes sem que elas ou seus pais percebam, a uma forma de aposta.
Essa estratégia de “gamificação” das apostas envolve o uso de cores vivas, personagens atraentes e mecânicas de jogo simples, que remetem a jogos de habilidade inocentes, enquanto, na realidade, promovem práticas de jogo de azar. A familiaridade com a interface e a mecânica do jogo pode criar uma falsa sensação de segurança e normalizar o comportamento de aposta entre crianças e adolescentes, que muitas vezes não conseguem discernir entre um jogo recreativo e um que envolve apostas de verdade. Essa sobreposição entre jogos tradicionais e apostas online cria um ambiente perigoso, onde as crianças são sutilmente levadas a participar de atividades de risco sem perceber.
1.2 Influenciadores Mirins e a Promoção das Apostas
A promoção de apostas online por influenciadores mirins é uma prática crescente e preocupante. Perfis de crianças e adolescentes com milhares, e até milhões de seguidores, têm sido utilizados para divulgar não apenas jogos de azar, mas também rifas e sorteios. Por exemplo, um perfil de uma menina de apenas seis anos, com quase 3 milhões de seguidores no Instagram, promove apostas e sorteios de itens de alto valor, como iPhones e motos. Em outro caso, uma adolescente de 16 anos, conhecida por suas dancinhas no TikTok, faz propaganda de bets entre seus posts e incentiva seus seguidores, em sua maioria menores de idade, a participar dessas apostas.
Essa prática é uma violação flagrante das leis de proteção à infância e dos critérios estabelecidos pelo Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar). O Instituto Alana, que atua na defesa dos direitos das crianças e adolescentes, denunciou ao Ministério Público a publicidade ilegal de cassinos online por influenciadores mirins, destacando os riscos altamente negativos desse vício para a infância e a adolescência.
2. Impactos Psicossociais das Apostas Online em Crianças e Adolescentes
O envolvimento de jovens com apostas online pode ter consequências devastadoras para seu desenvolvimento psicossocial. Os adolescentes, por ainda estarem em um estágio de desenvolvimento onde o raciocínio crítico e a regulação emocional não estão completamente formados, são particularmente suscetíveis a influências externas e a comportamentos de risco.
2.1 O Risco de Vício e Suicídio
Casos de vício em apostas têm sido documentados em diferentes contextos, afetando adolescentes de diversas origens socioeconômicas. Um exemplo trágico é o caso de um adolescente de 17 anos do Maranhão, que se suicidou após perder R$ 50 mil — uma herança — apostando no jogo de caça-níqueis “Fortune Tiger”, popularmente conhecido como “jogo do tigrinho”. Esses incidentes refletem uma combinação perigosa de fácil acesso a plataformas de apostas e a vulnerabilidade emocional de adolescentes que buscam ganhos financeiros rápidos e acabam caindo em uma espiral de dívidas e desespero.
A psicóloga Karen Scavacini, do Instituto Vita Alere, que atua na prevenção ao suicídio, ressalta o impacto devastador que as apostas podem ter sobre a saúde mental dos jovens: “Influenciadores fazendo propaganda de jogos para jovens que ainda não têm raciocínio crítico formado é uma combinação perigosa. Para piorar, são cassinos disponíveis 24 horas por dia, muito fáceis de acessar.” A falta de controle e a promessa de dinheiro fácil podem levar os jovens a tomarem decisões impulsivas e arriscadas, muitas vezes com consequências fatais.
2.2 O problema está chegando nas Escolas
Recentemente, o jornal “Folha de São Paulo” reportou o seguinte depoimento de um jovem e de um professor:
Fábio (17) diz que muitos amigos apostam. “Eu joguei por curiosidade. Vi a propaganda, o pessoal comentando, e falei: ‘Por que não tentar?’”, disse. “Como não tinha ganhado dinheiro, resolvi não ficar gastando mais”.
O professor Mateus Castello Branco leciona há cinco anos no Elefante Branco, maior escola pública de ensino médio de Brasília. Ele diz ter percebido uma febre entre os alunos.
“Há grupos, principalmente de meninos, envolvidos quase que de forma compulsiva com os aplicativos de apostas esportivas ou jogos que prometem ganhos rápidos”, diz. “Acreditam que realmente ficarão ricos, resistindo às vezes a largar o celular para prestar atenção à aula.”
3. A Responsabilidade das Plataformas Digitais
Um ponto central na discussão sobre apostas online é o papel das plataformas digitais. O Instagram, por exemplo, tem sido criticado por permitir que crianças e adolescentes promovam jogos de azar, o que não é apenas ilegal, mas também eticamente questionável. O Instituto Alana, em sua denúncia, argumenta que a Meta, dona do Instagram e do Facebook, deveria ser responsabilizada por permitir conteúdos duplamente ilegais — tanto por usar menores de idade para publicidade quanto por promover jogos de azar para o público infantojuvenil.
Maria Mello, coordenadora do programa Criança e Consumo do Alana, destaca que as redes sociais se aproveitam da vulnerabilidade social e econômica das famílias brasileiras: “As empresas se aproveitam do fosso social do nosso país, e, nessa situação de extrema crueldade, as famílias são o elo mais fraco.” Mello enfatiza que a intenção do Alana é responsabilizar as plataformas digitais por não adotarem mecanismos efetivos para proteger crianças e adolescentes dos perigos das apostas online.
3.1 A Falta de Mecanismos de Controle Efetivos
A denúncia do Alana também chama atenção para a falta de ferramentas de denúncia específicas no Instagram para anúncios de cassinos online. A entidade exige que a Meta crie mecanismos para proteger os jovens usuários, removendo conteúdos ilegais e estabelecendo critérios claros para o uso de contas de influenciadores mirins. Além disso, solicita que o trabalho de influenciadores mirins só seja autorizado mediante alvará judicial.
4. O Papel das Famílias e Escolas na Prevenção
As famílias e as escolas têm um papel fundamental na prevenção do envolvimento de jovens com apostas online. A Escola da Vila, localizada na zona oeste de São Paulo, enviou recentemente um comunicado às famílias alertando sobre o aumento do uso de aplicativos de apostas entre os jovens e a vulnerabilidade dos adolescentes a esses comportamentos de risco. “Reiteramos a importância de conversarem em casa a esse respeito, de modo a agirmos em conjunto, escola e família, na prevenção desse comportamento de risco”, diz o texto do comunicado.
Não Deixe Seu Cartão de Crédito Cadastrado no Celular ou Tablet que Seu Filho Utiliza
É extremamente importante não deixar o cartão de crédito cadastrado nos dispositivos que seus filhos usam. Muitas vezes, aplicativos de jogos ou sites de apostas permitem compras rápidas, e um cartão de crédito salvo pode facilitar o acesso involuntário ou impulsivo a transações monetárias. Ao remover essas informações de pagamento, você reduz o risco de compras não autorizadas ou apostas indesejadas feitas pelos seus filhos. Se o dispositivo precisar de informações de pagamento, use uma senha que só você conhece ou considere alternativas, como cartões pré-pagos.
Converse Sobre o Real Valor do Dinheiro
Muitos jovens, especialmente os que crescem no ambiente digital, têm dificuldade em compreender o valor real do dinheiro. Para eles, o dinheiro pode parecer algo virtual e ilimitado, principalmente quando estão envolvidos em jogos online ou apostas. Converse com seus filhos sobre o que é o dinheiro e como ele é obtido através de trabalho e esforço. Explique a diferença entre o dinheiro virtual que eles veem nos jogos e o dinheiro real que é necessário para compras no mundo físico. Ensine-os sobre a importância de poupar e planejar financeiramente, mostrando exemplos práticos do dia a dia. Esses ensinamentos ajudam a construir uma base sólida de educação financeira desde cedo.
Seja um Exemplo: Não Se Envolva em Apostas Online
As crianças aprendem pelo exemplo, e se veem os pais envolvidos em apostas online, é mais provável que considerem essa atividade como normal ou aceitável. É crucial que os pais evitem participar de apostas online, especialmente na frente dos filhos, e que conversem abertamente sobre os riscos associados a essa prática. Mostrar que você mesmo evita comportamentos de risco é uma das maneiras mais eficazes de ensinar seus filhos a fazerem o mesmo. Além disso, discuta com eles sobre as armadilhas das apostas, como o vício e as perdas financeiras, e por que é importante evitar esses tipos de atividade.
Utilize Ferramentas de Controle Parental e Monitore a Atividade Online dos Filhos
Ferramentas de controle parental são uma excelente maneira de monitorar e limitar o acesso dos seus filhos a conteúdos e aplicativos impróprios. Configure essas ferramentas em todos os dispositivos que seus filhos utilizam, como celulares, tablets e computadores. Elas permitem que você defina restrições de idade para downloads de aplicativos e jogos, além de bloquear o acesso a sites de apostas e conteúdos relacionados a jogos de azar. Além disso, tenha conversas regulares com seus filhos sobre o que eles estão fazendo online e incentive um ambiente de confiança onde eles se sintam à vontade para falar sobre suas experiências digitais.
4.1 Intervenções Psicológicas e Educacionais
Na Guardião Digital, desenvolvemos uma intervenção educacional inovadora nas escolas chamada “Dinheiro Real ou Virtual?“. Esse programa visa estimular o pensamento crítico dos alunos sobre as diferenças entre valores reais e virtuais e como essas distinções podem impactar suas vidas. Durante as sessões, abordamos temas como o valor do dinheiro, o conceito de economia digital e os perigos das apostas online.
Os alunos participam de atividades práticas e debates que os ajudam a compreender como o dinheiro virtual, muitas vezes presente em jogos e apostas online, pode parecer inofensivo, mas tem consequências muito reais. Discutimos a maneira como os jogos de azar online tentam se disfarçar de jogos amigáveis, como Fruit Ninja, para atrair os mais jovens, e explicamos as técnicas psicológicas usadas para induzir o comportamento de apostas.
Além disso, incentivamos os estudantes a refletirem sobre a diferença entre gastar dinheiro em uma plataforma virtual e utilizá-lo em transações reais do dia a dia. A intervenção também destaca a importância de desenvolver habilidades financeiras responsáveis e de entender o impacto das decisões financeiras, sejam elas feitas com dinheiro real ou virtual.
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Fontes: Datafolha: Bets atraem jovens e chegam a 15% da população – 13/01/2024 – Esporte – Folha (uol.com.br)
MP exige informações do Instagram sobre divulgação de “cassinos online“ por crianças | CNN Brasil
Apostas on-line atraem crianças e adolescentes, apesar de ilegais (lunetas.com.br)